6h da manhã
iludido pela lasciva luxúria do vermelho,
era, agora, manso.
E, entre o silêncio
e um sussurro de poesia exposta à fumaça
de vários maços de cigarro
engolidos pela ausência de um gosto,
ela sorriu.
E, em seus sonhos,
amou.
.por rodrigo.
sons, sonhos
”Hup hup! Terminei de ler on the road, não é preciso fugir de casa pra viajar por ai. Também é uma boa história de amizade. Boa viagem. BJS”
Era isso que contrastava com o brilho meio amarelo da tela do celular enquanto eu catava uma posição que fosse a menos desconfortável possível para as próximas infinitas sete horas de noite nublada e faróis que passavam zunindo na van lotada que nos trazia de volta para casa depois de alguns dias de comidas esquizofrênicas e violões cansados alternados com noites de flertes sem resultados e eternos amores platônicos. Fora as cartas que caiam na mesa junto com os drinques que se erguiam aos céus, também discutíamos sobre o próximo livro a ser lido e o próximo texto a ser escrito enquanto a rede era disputada e as fotografias tentavam guardar mais que o que simplesmente se via. Nós víamos. Era, agora, eterno. Por isso, poderíamos voltar pra casa, para o nosso Porto que nos uniu mais Alegre.
”Hup hup! Terminei de ler on the road, não é preciso fugir de casa pra viajar por ai. Também é uma boa história de amizade. Boa viagem. BJS”
As letras negras cortaram com seu bip bip o leve debate em que me metera para a esquentar a mente que vagava entre o passado e as próximas possibilidades enquanto o vento, que entrava confuso pela janela e acariciava o pescoço, cortava os ânimos e nos contava que voltávamos. E elas, as letras, vinham dos dedos do mais surreal de nós todos. Aquele que sempre está perto com seu terno preto cobrindo a camiseta laranja e que não precisa de nada para pensar em peixes pratas cruzando entradas de prédios lunares. Aquele que não estava na estrada conosco, mas que cantou sob a luz do fogo e o calor da lua para as estrelas do mar que se acumulavam na beira da praia só pra ouvi-lo descer acordes menores no seu violão de nylon. O homem de franja tão pesada quanto a dos beatles.
”Hup hup! Terminei de ler on the road, não é preciso fugir de casa pra viajar por ai. Também é uma boa história de amizade. Boa viagem. BJS”
Se ele diz, tenho que ler este livro. E tem que ser o mais rápido possível. No mínimo, como um selo para este destino de irmãos sem sangue conjugado. Mas eu confio no gosto dele. Oh, sim, confio com todos meus sentidos aguçados para perceber melhor o que ele quis dizer.
E assim, a estrada continuava de asfalto, as nuvens continuavam de algodão-doce, as conversas continuavam de olhos-abertos e a saudade continuava ecoando sobre algo que não conseguimos encostar. A viagem prosseguia para a alegria dos que nos esperavam na chegada.
”Hup hup! Terminei de ler on the road, não é preciso fugir de casa pra viajar por ai. Também é uma boa história de amizade. Boa viagem. BJS”
Ele me emprestou o livro. Coube a mim apenas lê-lo. Mas, como todo bom amigo, eu continuava a trocar músicas e inventar planos novos que não seriam realizados e obviamente o livro ficou ao lado da cama sem ser aberto por mais tempo que deveria. E ele ficava me encarando e eu fiquei dizendo coisas como “sério, preciso dormir! Eu sou humano, você sabe... a gente faz isso...”. mas eu só dizia isso pra ele também não encher o saco e ficar quietinho ali na cabeceira, junto com os outros que eu já tinha convencido que as suas horas chegariam. O problema foi passar a fase sem conseguir abrir um livro. Depois, foi mais fácil, você sabe. Quando se abre a porteira, os bois passam e é difícil de fechá-la sem que todos tenham passado.
Assim, comecei a ler sobre as inúmeras viagens através da América do Norte que Jack Kerouac translucidamente respirava nas linhas que transcrevia. Dizem por ai que este livro é a bíblia dos beats. Bom, eu posso acreditar nisso, mesmo sem ter lido as outras obras deste movimento que movimentou o contra-fluxo da cultura no mundo desde o final dos sessenta.
O livro é rápido e suas frases grandes não são sentidas pelo ritmo alucinado em que elas são ditadas na sua orelha por Sal Paradise - protagonista e uma espécie de Kerouac ficcional. As notícias que vem antes de se ler o livro contam da tríade “sexo, drogas e rockandroll”, mas o bom e velho amigo que enviou a mensagem realmente decifrou o livro muito melhor.
Certamente, a amizade é o fator que cria a base sólida na qual o asfalto irá se deitar depois para acolher os caroneiros e suas roupas já tão desgastadas. O livro inaugura a verborragia misturada com onomatopéias (a base da literatura beat). Mas não é qualquer verborragia. É uma explosão de pensamentos que cruza os nervos e vai descendo até o estômago que escolhe as palavras e, assim, compõe as emoções. Emoções que acabam deslizando do livro direto pra os olhos do leitor. A narrativa é envolvente. Principalmente, por que a história da amizade é conduzida através do sentimento de liberdade e da angústia juvenil que não cansa nunca de buscar e buscar (muitas vezes sem saber O que se busca) em todos os cantos. Explorar o desconhecido e não se prender a paradigmas.
A experiência vale mais do que a sabedoria adquirida através apenas do “ouvi dizer”. E isso vale também para a experiência literária. Kerouac não teve medo de testar essa mistura, até então, inédita. E se deu bem. A linguagem informal e lisérgica em alguns momentos foi o instrumento necessário que conseguiu unir de uma forma sólida e indestrutível ao novo jeito de dizer as coisas... O jeito urbano da juventude que se preocupava mais em Descobrir do que no dia de amanhã.
Mas, como é um livro que trata sobre esse sentimento de experimentações e dessa ânsia do Descobrir, nada é mais justo que a constância da palavra “melancolia”. A Melancolia permeia toda a história e certamente é a palavra que mais aparece nas páginas do romance. Romance que não trata nada de forma romântica, mas que usa da realidade e dos seus altos e baixos para criar o sentimento de expectativa inerente nos dois personagens principais - que acaba por trazer junto a melancolia que sempre acompanha essa angústia de não conseguir ser/estar em tudo que se gostaria.
E não teria como Dean (personagem mais que principal da história e exemplo do modelo beat), sob esta perspectiva, não ser “o cara mais melancólico”. Os olhos sempre buscando as possibilidades e as impossibilidades pelas quais ele vai lutar e para as quais ele vai se entregar de forma completa no próximo instante sem um piscar de olhos sequer. Mas a mente sempre pensando e passando pelo passado. Como se cada momento de sua vida tivesse feito uma cicatriz na sua retina e ele não conseguisse deixar de estar constantemente olhando para a sua vida. E, por causa disso, precisasse tanto tentar tirar de dentro dele aquilo tudo. Tirar daquele jeito dele: cuspindo em palavras sua história.
E é por ai que caminha (ou melhor, pega carona) “On The Road”. Com as histórias alucinadas e verborrágicas de Dean sendo contadas através da lisergia de Sal. E você só consegue pensar em estar com amigos, numa viagem qualquer, e com mil destinos a se escolher...
Se meu passo apressado passar pelo seu pé descalço, desculpe...
Posso estar pensando sobre o próximo passo sem perceber os lados - ou até mesmo você...
Por mais absurdo que isso possa parecer...
Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Paulo Leminski