quinta-feira, outubro 06, 2005

de volta aos textos longos

por que a tarde é linda e a janela está aberta para que eu possa vê-la.
queria ver teus olhos, também, mas é horáro comercial e precisamos de alimento para o corpo.

então, tento voltar aos textos longos para fechar o hiato que existe entre nós.





Culpado
Sou o cara mais ingrato da face da Terra. Ou, ao menos, é o que eu acredito ser – dentro desse meu muno umbiguesco. Bom, em último caso, sou um cara muito ingrato. Não tenho mais certeza se sou tão ingrato quanto tantos outros. De repente foi uma frase precipitada. Uma frase egoísta e egocêntrica.

Já que não sou muito, então quero ser ao menos isso. Ao menos o ingrato. Mas não sei nem se consigo ser isso. Bom, o fato é que não sou o cara mais grato que conheço. Então, sou ingrato.

Não consigo mais olhar nos olhos. Penso nas dívidas que tenho com vocês e que não conseguirei pagar. Penso em todo o amor que me deram. Assim, de graça. Sem ao menos que eu pedisse. Foram me dando. Como se isso tudo sobrasse de vocês e vocês (não tendo outro lugar pra colocar) foram empilhando e largando em cima de mim. E eu aceitei. No início, meio assim, como esmola. Mas depois, veio a necessidade de ter vocês por perto. E por isso, fui me afastando.

Credo. Como sou ingrato.

Agora, tenho tudo isso aqui dentro. E não posso ter menos. Assim, não consigo devolver-lhes o carinho e os abraços. Abaixo os olhos nas palavras e atravesso a rua quando cruzo com seus passos.

Não peço que entendam. Nem quero que entendam. Pois, se entenderem, é por que são como eu. E, isso, não quero acreditar. E não posso aceitar.

É culpa desse vácuo. Desse suicídio em vida - esses passos que dava rente a linha do desfiladeiro. Esse espaço inócuo no qual me vi entrando, mas que acabou entrando em mim e expulsando o pouco que tinha.

Não, não sou vítima. Sou, em verdade, meu próprio prisioneiro.

Vi o crime. Vislumbrei o pecado. Cometi a heresia. Sentei na cadeira do réu. Fui meu promotor e meu advogado. Estive em cada membro do júri que inventei e dei a sentença. Como juiz, fi-la cumprir. Como culpado, me submeti.

E, como culpado, sempre peco por implorar por humanidade. Sempre peco por roubar dos outros o que não tenho. Por dar um jeito de ter a dignidade que me foi tirada.

O problema é que ignoro quem a tirou. E me vejo inocente. E, como tal, pensando em esperanças.
.por rodrigo.